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Maria Assunção Ventura Bastos: "Sempre fui muito criativa e a minha personalidade dinâmica e inventiva leva-me a aventurar-me continuamente em novos desafios e experiências com o pão".

Oliveira de Azeméis

Na padaria de Maria Assunção Ventura Bastos, de 57 anos, fomos naturalmente conquistadas pelo pão cheiroso e estaladiço, acabado de sair do forno e a exalar um convidativo e inconfundível aroma a lenha e a quente, que faz crescer água na boca e estimula a vontade de inspirar o admirável aroma rico de tradição e de história.

Assunção Bastos começou a cozer o pão há 24 anos, depois de ter passado vários anos pela indústria do calçado, após concluir o sexto ano de escolaridade. Tinha apenas 12 anos quando iniciou o ofício de gaspeadeira e aos 19 lançou-se a trabalhar por conta própria com a irmã, em casa da mãe, decisão tomada em prol dos filhos que, assim, puderam crescer junto a si e à avó materna, uma ajuda incalculável para uma jovem em início de vida com ambição e coragem para trabalhar.

Foi quando construiu a sua casa que decidiu incluir os anexos onde tem a padaria, o que lhe abriu a possibilidade de deixar os sapatos para se dedicar a tempo inteiro ao pão, após o nascimento do seu terceiro filho, ofício que a acompanhou até aos dias de hoje.

A sua bisavó foi padeira e o bisavô moleiro e quatro das cinco filhas do casal foram padeiras, entre as quais, a avó Luísa, a tia Maria, a tia Belmira e a tia São, onde Assunção Bastos começou a trabalhar ainda jovem, até se casar, para ganhar um «dinheirito» extra para as suas despesas, uma vez que o ordenado da fábrica era entregue aos pais para complementar o orçamento familiar.

Explica que trabalhava nos sapatos durante a semana e, à sexta-feira, saía da fábrica às 21 horas e às 22 horas já «mergulhava» nas masseiras da padaria da tia, para ajudar a fazer as encomendas de sábado, até às duas horas da madrugada.

O seu Tio Manuel Nina, casado com a tia São, era moleiro de profissão e Assunção Bastos recorda com saudades todas as vezes em que andou a vender farinha, sentada no «burrico», entre sacos de farinha.

Assunção Bastos também conta que ajudou muitas vezes a avó, já viúva, a ir buscar lenha ao monte e a curtir os tremoços que a avó vendia no mercado, no açude do rio da Barreta, “quando os rios eram rios”, recorda.

Já a sua mãe não era padeira, vendia doces nas festas de Santo António, em Silvares, Macinhata da Seixa, na Senhora da Ribeira, no Pinheiro da Bemposta, na festa de Nossa Senhora das Febres, em Adães, no Espírito Santo e na Senhora das Flores, em Travanca, no S. Mateus e no S. Mamede, em Madail. 

Assunção Bastos revela que “o seu pai pertenceu à comissão das festas da Senhora das Candeias e do São Brás, quando vinham os artistas da rádio”. Conta que, naquela altura, os jovens das escolas de Oliveira de Azeméis vinham às centenas à festa, a pé e de comboio e nunca faltou gente da aldeia para pegar nos andores e se unir à procissão.

As crianças adoravam ir contar os autocarros das excursões que chegavam a Ul e que enchiam o café do «ti Joaquim», que fazia questão de ter na ementa o famoso «franguinho estufado».

E se, no São Brás, havia muitas padeiras que vendiam diretamente em casa, aquelas que moravam longe iam vender para o largo da Igreja com uma barraquinha. Nota que a avó, como era de Porto de Vacas, era uma das padeiras que montava a venda às primeiras horas da manhã e a mãe, que ficava na padaria a cozer, era obrigada a estar atenta à hora da missa terminar, para o povo poder comprar o pão «quentinho», acabado de cozer.

Naquela altura, a venda nas feiras era comum entre as padeiras e Assunção Bastos chegou a acompanhar a avó nas muitas deslocações às feiras de Vale de Cambra e recorda as canastras carregadas de pão, protegidas com um cobertor e um plástico por cima, amarrados com a ajuda de um fio, para o pão não fugir, garantindo que ainda chegava quente ao seu destino.

As padeiras apanhavam boleia de um senhor de Cavalar, do café Damas, que tinha uma camioneta para vender os seus produtos nas feiras e não se importava de partilhar a viagem com as restantes «vendedeiras» da aldeia.

Antigamente, para Vale de Cambra, o pão mais vendido eram as «carreiras», um conjunto de quatro pães interligados que, atualmente, ainda são pedidos pelas pessoas mais velhas, essencialmente na altura do Natal, para confecionar as rabanadas e no Carnaval e na Páscoa para as «sopas secas».

Quando era jovem fazia o pão da mesma forma, porque não tem máquinas. É das poucas padeiras de Ul que faz o pão de forma artesanal, utilizando apenas a força dos braços e das mãos que amassam e tendem. Cada masseira faz uma fornada de 200 pães e dias existem em que faz dez e mais fornadas de pão, o que a obriga a levantar-se à meia-noite e a trabalhar de forma contínua até cerca da uma hora da tarde.

Assunção Bastos tem clientes de longa data, desde que iniciou a atividade de padeira, por quem guarda muito respeito e amizade.

O seu pão chega principalmente a restaurantes, supermercados e minimercados, para além da venda às portas e na sua própria padaria. Explica que a quantidade de pão cozido vai aumentando ao longo da semana e a maior concentração de encomendas regista-se ao sábado e ao domingo, uma vez que não conhece folgas nem feriados, a não ser no dia de Natal, no dia de Ano Novo e na Páscoa.

Férias só tira duas semanas no mês de agosto, altura em que o lar do forno é reparado, para substituição das lajes, procurando dar-lhe novo alento para trabalhar por mais um ano a cozer o tão afamado pão que conquista a preferência de tantos clientes.

Vende para Oliveira de Azeméis, Loureiro, Serrado, Madail, Santiago de Riba-Ul e Ul e desloca-se uma vez por semana a Albergaria-a-Velha onde tem dois bons clientes e a São João da Madeira, onde encontrou um restaurante que lhe faz alguns pedidos especiais: pão com tinta de choco para as francesinhas e pão de hambúrgueres com sementes, ambos fabricados nos mesmos fornos do pão de Ul e com a mesma técnica de confeção manual e natural.

Apesar de não ter grande capacidade para fazer feiras e festas, uma vez que não pode falhar com as encomendas dos restaurantes ao fim-de-semana, Assunção Bastos conta que não falta à Feira d’Ano de Santo Amaro que se realiza em janeiro e onde consegue vender uma grande quantidade de pão.

Assunção Bastos confessa que adora inovar no pão e de fazer experiências com o milho, o girassol, a alfarroba e a beterraba, faz pão de forma com cereais, pão integral e de centeio. Sempre foi muito criativa, até mesmo, em jovem, quando trabalhou no calçado, e a sua personalidade dinâmica e inventiva leva-a a aventurar-se continuamente em novos desafios e experiências com o pão.

No seu trabalho é muito apoiada pelo marido uma vez que os seus três filhos prosseguiram estudos superiores e deslocaram-se para outras regiões, visitando os pais apenas ao fim-de-semana, quando têm disponibilidade.

Assunção Bastos revela que “gosta do que faz, porque consegue viver bem e dar aos filhos tudo o que pode, o que faz dela uma mulher de força e feliz”.

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